O ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, afirmou, nesta terça-feira (10), que a corrupção na Petrobras, investigada pela Operação Lava-Jato, ocorreu “fora da empresa”, e que, portanto, “era impossível a petroleira investigar” o ocorrido.
Em entrevista ao Conversa Afiada, que você pode assistir em vídeo, Gabrielli esclarece como se dava a ilegalidade cometida pelo diretor de Abastecimento, Paulo Roberto, e o gerente de Engenharia Pedro Barusco a partir do minuto 8′40.
Segundo Gabrielli, a operação envolvia o empreiteiro, o fornecedor do empreiteiro e o doleiro. “Então, é impossível no sistema da Petrobras se perceber isso”, relata ao ansioso blogueiro com exclusividade.
“Só se vai perceber [a corrupção] com uma ação da polícia, que foi o que aconteceu. A Polícia Federal saiu de uma investigação de um doleiro, por razões que nada tinham com a Petrobras, chega o Paulo Roberto, ele faz uma delação premiada e as investigações se aprofundam”, lembra Gabrielli, que define Paulo Roberto como “operador da relação das empresas com a Petrobras”.
“E a Petrobras não tinha como saber disso. Não tinha como nós da diretoria sabermos disso”, revela.
Já no início da conversa, o ex-presidente Petrobras falou das ferramentas utilizadas para se combater os atos ilícitos na empresa e do balanço que ainda não foi assinado pela auditora americana Price & Waterhouse.
(Leia também “Bendine vs Price. O balanço da Petrobras”.)
A partir do minuto 3′25, Gabrielli explica como funciona o processo de licitação da Petrobras.
“A Petrobras tem um cadastro das empresas fornecedoras, que é muito rígido em que são analisadas as condições técnicas da empresa, a experiência dela… Você faz uma avaliação do que ela tem em contrato com a Petrobras de três em três meses, um relatório chamado BAT (Boletim de Avaliação de Desempenho) e dá uma nota ao fornecedor.Quando você vai fazer uma licitação, você escolhe do cadastro da Petrobras os fornecedores pré-qualificados que podem entrar na concorrência”, declarou.
Por fim, Gabrielli diz ser “impossível” registrar o valor da corrupção no balanço companhia. “Não há a possibilidade de se fazer previsões para corrupção. Você tem que provar que teve corrupção para lançar”.
Leia a entrevista na íntegra:
PHA: Não havia um controle possível para controlar a corrupção?
Os controles após a lei Sarbanes-Oxley, que foram aplicados na Petrobras em 2006 – uma lei americana para aumentar os controles das empresas internacionais e das empresas com ações negociadas em bolsas, que é o caso da Petrobras – esses controles exigem em que todo ano se faça um processo de certificação, em que se faz em testes das informações que estão no seu balanço e se essas informações representam a realidade.
Isso envolve milhares de processos e centenas de testes. E o certificador atesta que os valores estão de acordo com a realidade da empresa.
Isso foi certificado em 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011 pela KPMG.
Em 2012, 2013 foram certificados também pela Price & Waterhouse.
Só em 2014 que a Price está gerando dúvidas por causa das confissões de Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, um diretor da Petrobras e outro gerente de uma empresa com mais de 3000 gerentes com cerca de 100 de primeira linha.
Após as denuncias de Paulo Roberto, a Petrobras contrata dois escritórios, um brasileiro e outro norte-americano especializados na investigação desse tipo de fraude.
Tem dezenas de técnicos da Petrobras trabalhando em comissões internas para avaliar essa questão.
Os setores financeiros da companhia estão se debruçando inteiramente e não chegam a uma conclusão.
E centenas de policiais investigando o assunto e apesar disso você não tem uma visão clara do que aconteceu.
Como é que um procedimento normal de uma empresa que chegou a ter 240 mil contratos por ano você descobre um comportamento que é de fora da empresa? É praticamente impossível se encontrar isso.
PHA: Nesse caso especifico, de dois funcionários, um diretor e um gerente de alto nível, como se aprova uma concorrência, como se faz um processo de compra de um copo, um clips na Petrobras?
É preciso distinguir o que é despesa de custeio do investimento.
A Petrobras hoje, o plano de investimento dela deve ter mais de 750 projetos.
E tem projetos de vários tipos: os que estão na fase embrionárias de ideias ou fase um, a segunda fase é o projeto conceitual, na fase três é o chamado projeto básico, a fase quatro é a de contratação, que é quando se tem já uma ideia mais definida do que é que se vai contratar.
Essas quatro fases são fundamentais para ver como o processo decisório da Petrobras não é uma decisão individual. Não há decisões individuais na Petrobras. São todas coletivas.
A responsabilidade dos diretores é de até US$ 25 milhões, mas eles não tomam decisões individuais, eles fazem isso junto com comitês de gerentes.
PHA: Nessa fase quatro, na hora de comprar o equipamento e contratar uma empreiteira, como é feita a escolha? Ao escolher, não havia como controlar?
A Petrobras tem um cadastro das empresas fornecedoras, que é muito rígido em que são analisadas as condições técnicas da empresa, a experiência dela… Você faz uma avaliação do que ela tem em contrato com a Petrobras de três em três meses, um relatório chamado BAT (Boletim de Avaliação de Desempenho) e dá uma nota ao fornecedor.
Quando você vai fazer uma licitação, você escolhe do cadastro da Petrobras os fornecedores pré-qualificados que podem entrar na concorrência.
Feita a concorrência, se chama os fornecedores para fazer aquele projeto.
Ao mesmo tempo, a Petrobras faz uma avaliação interna dela de quanto custa aquele projeto.
Então, ela tem uma avaliação própria dos custo e recebe as ofertas. Compara o proposto com a avaliação dela e se for compatível com as regras internacionalmente aceitas, se chama a empresa para negociar quanto é a margem de ganho que ela vai ter, o chamado BDI.
Essa margem de ganho também tem limites e, geralmente, você negocia para baixo essa margem.
O Paulo Roberto e o Pedro Barusco disseram que fizeram tudo isso. O que eles dizem é que seguiram as regras, baixaram os preços, baixaram os BDIs. Então, dentro da Petrobras estava tudo dentro dos conformes.
PHA: Como se dá a ilegalidade?
O processo ocorre fora da Petrobras.
O que eles dizem: o fornecedor da Petrobras ( o empreiteiro) na relação dele com o seu fornecedor (o fornecedor do empreiteiro, que não é o da Petrobras) junto com um doleiro faz uma negociação e coloca dinheiro em uma conta A,B ou C sem envolver a Petrobras.
Então, é impossível no sistema da Petrobras se perceber isso.
Só se vai perceber com uma ação da polícia, que foi o que aconteceu. A Polícia Federal saiu de uma investigação de um doleiro, por razões que nada tinham com a Petrobras, chega o Paulo Roberto, ele faz uma delação premiada e as investigações se aprofundam.
Era impossível a Petrobras investigar isso.
PHA: O Paulo Roberto fala que a operação com ele moveu algo em torno de US$ 2 bi.
Onde está isso? O que está comprovado é muito menos do que isso.
Esse processo vai tirar a fumaça que tem e ficará evidente que esse é um problema policial de dois funcionários que se locupletaram com muito dinheiro, mas que, em relação à Petrobras, não é muito dinheiro.
PHA: Por que interessaria a empreiteira subornar o Paulo Roberto ou o Barusco - e eles colocarem dinheiro lá fora com o Yousseff – se existe essa regra toda e não há como ultrapassar esse limite de lucro fixado dentro da Petrobras?
Porque tem muita coisa que vem da escala, não vem da margem, vem do tamanho da Petrobras. E vem da especialização.
Nem toda empresa faz sondas, plataformas… Não se acha em prateleiras.
Então, a maior parte das aquisições da Petrobras é feita sob encomenda. Tem poucos produtores desses ativos sob encomendas.
A disputa entre eles para ver quem vai fornecer é muito grande.
Em geral, como todos os empreiteiros, eles têm um capital de giro pequeno.
A medida que eles têm um capital de giro pequeno, eles vão fazendo o que chama de pedalada, que é uma obra financiando a outra. Eles precisam está continuamente fazendo obras
PHA: Pode-se imaginar que o produto do Paulo Roberto era ajudar mais a empreiteira A e menos a empreiteira B e, portanto, permitir o ganho na escala. Então, ele é um operador de cartel?
Eu não posso dizer se é um cartel, mas ele era o operador dessa relação das empresas com a Petrobras.
E a Petrobras não tinha como saber disso. Não tinha como nós da diretoria sabermos disso.
PHA: Como é o processo de licitação, é uma licitação pública, todo mundo pode se inscrever ou tem uma regra pré-determinada?
As compras da Petrobras são regidas pelo decreto 2745, de 1998 do governo Fernando Henrique Cardoso, que foi assinado no mesmo momento em que foi aberto o mercado brasileiro de petróleo.
Na medida que se abriu o mercado de petróleo, você ia ter empresa que não estão concorrendo com condições competitivas muito melhores do que uma empresa do Estado Brasileiro que tinha limitações da lei 8666, que fixa as licitações do setor público.
Então, a Petrobras tem um regime diferenciado de compras.
PHA: É da época do FHC e no tempo que o Advogado Geral da União era o Ministro Gilmar Mendes…
Esse decreto, dessa época, o TCU acha inconstitucional. O STF ainda não julgou se é constitucional ou não. Mas já julgou várias liminares da Petrobras em relação ao TCU dando ganho de causa à Petrobras e obrigando-a a aplicar o decreto do FHC.
PHA: E o que diz esse decreto?
Esse decreto permite à Petrobras fazer uma licitação em um processo chamado Carta Convite, em que você chama os concorrentes independente dos limites dessas concorrentes.
No caso do petróleo, como as licitações são muito altas, se permite que se chame algumas empresas que são especiais, capazes de fornecer aqueles produtos customizados que a Petrobras precisa, com necessidades de segurança e de entrega.
Por isso, você tem um cadastro prévio dessas empresas. Um cadastro que é continuo, com empresas habilitadas, avaliadas.
PHA: Não é uma concorrência, é uma licitação.
Uma licitação com carta convite e ganha aquele que oferece a melhor condição, que pode ser preço ou, às vezes, melhor técnica.
PHA: Como o senhor avalia que isso possa ter acontecido desde o governo FHC mesmo com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder?
É um fenômeno localizado. Nós temos uma empresa com 240 mil contratos no ano, três mil gerentes tomando decisão, 750 projetos e com um investimento que chegou a ter US$ 45 bilhões ao ano, o que é extraordinário. Em 2002, eram US$ 5 bilhões.
Então, o volume do investimento dá margem para que alguns ganhem um volume de dinheiro muito grande com comportamento corrupto.
Esse comportamento corrupto não pode ser generalizado, não são todos os processos da Petrobras que estão contaminados com isso.
PHA: Qual era a diretoria do Paulo Roberto?
A de Abastecimento, que cuida do refino, da compra e venda de petróleo.
PHA: Portanto, não tem nada a ver com as outras diretorias?
A de Abastecimento cuida da compra e venda de derivados. A Petrobras tem uma diretoria de RP que é de exploração e produção de petróleo e gás, tem uma de Gás e Energia, que é de onde veio a graça Foster, que usa o gás e produz energia, tem uma de Engenharia, uma de Serviços, uma de Recursos Humanos, de Responsabilidade Social, tem uma financeira e tinha uma Internacional que a graça assumiu.
PHA: O Paulo Roberto tinha um âmbito localizado?
Ele tratava do refino, da petroquímica e da compra e venda de produtos e derivados.
PHA: E o Barusco?
Ele era gerente da Engenharia, que é uma diretoria que presta serviços às outras diretorias, que tem efeito interno. Ela acompanha a construção e tem um papel de engenheiro geral prestando serviços às outras diretorias que são diretorias fins de negócios.
PHA: Até junho, a Price deve assinar ou não o balanço da Petrobras. Será possível registrar o valor da corrupção?
Eu acho quase impossível antes de comprovar o que foi a corrupção, que é um problema da polícia, da justiça, não é um problema da contabilidade.
Você tem que fazer anualmente uma avaliação no valor dos ativos ao valor de recuperação. Isso não tem nada ver com corrupção.
Quando se identifica que houve corrupção, há as penalidades que a empresa sofre, há a responsabilidade individualizada de cada um e se for evidente, tem que se lançar resultado depois de comprovado definitivamente o processo de corrupção.
Não há a possibilidade de se fazer previsões para corrupção. Você tem que provar que teve corrupção para lançar.
Em tempo: o Conversa Afiada reproduz nota da Petrobras:
Recorde de operações com gás natural liquefeito garante suprimento para térmicas
Terminais tiveram papel fundamental na ampliação da oferta de gás natural ao mercado
A Petrobras consolidou, em 2014, a sua posição de destaque no mercado global de gás natural liquefeito (GNL). A comercialização de um total de 115 cargas do combustível em navios metaneiros (específicos para o transporte do GNL), ao longo do ano passado, foi recorde na companhia em operações deste tipo, o que representou um volume médio regaseificado de aproximadamente 20 milhões de m³/dia, a partir dos três terminais de regaseificação operados pela Transpetro nos estados do Rio de Janeiro, Ceará e Bahia.
Das 115 cargas comercializadas junto a 29 empresas fornecedoras, 100 foram importadas no mercado brasileiro e as outras 15 foram revendidas no mercado internacional, tendo como principais destinos Argentina, Coreia do Sul e países europeus. As principais origens do GNL importado ao longo de 2014 foram Nigéria, Trinidad & Tobago, Catar, Angola, Guiné Equatorial, Noruega, Espanha e Portugal.
A intensificação das operações de GNL no país tem como âncora a forte demanda por parte das usinas termelétricas. Além de garantir o suprimento necessário ao parque gerador do país, a importação de gás natural liquefeito possibilita maior flexibilidade na oferta do combustível. Este é um dos pilares da estratégia de atuação da Petrobras nesse mercado, ao lado da garantia de confiabilidade no pleno atendimento dos compromissos contratuais à luz das necessidades do mercado brasileiro.
A Petrobras conta atualmente com uma capacidade total de regaseificação de 41 milhões de m³/dia, sendo 20 milhões de m³/dia pelo Terminal da Baía de Guanabara (RJ), 14 milhões de m³/dia no Terminal da Bahia (BA) e 7 milhões no Terminal de Pecém (CE). A oferta de GNL é superior aos cerca de 32 milhões de m³/dia de gás importado da Bolívia e fica atrás, apenas, da produção nacional total – que gira em torno de 45 milhões de m³/dia.
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