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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Pelo blog PIG Imprensa Golpista SEM DOMÍNIO, SEM FATOS: O supremo descarrego.

Xeque - Marcelo Bancalero

Dispensa comentários o excelente artigo produzido pelo blog PIG Imprensa Golpista

SEM DOMÍNIO, SEM FATOS: O supremo descarrego.



SEM DOMÍNIO, SEM FATOS
 

"Talvez seja a idade, quem sabe as lembranças ainda vivas de quem atravessou a adolescência e o início da idade adulta em plena ditadura. Mas não consigo conviver com a ideia de que cidadãos como José Genoino e José Dirceu possam ser condenados por corrupção ativa sem que sejam oferecidas provas consistentes e claras. A justiça é um direito de todos. Mas não estamos falando de personagens banais. 

Sei que os mandantes de atos considerados criminosos não assinam papéis, não falam ao telefone nem deixam impressão digital. Isso não me leva a acreditar que toda pessoa que não assina papel, não fala ao telefone nem deixa impressão digital seja chefe de uma quadrilha. 

Sei que existe a teoria do domínio do fato. Mas ela não é assim, um absoluto.

Tanto que, recentemente, o célebre Taradão, apontado, por essa visão, como mandante do assassinato de irmã Dorothy, conseguiu sentença para sair da prisão. 

Não estamos no universo do crime comum. Estamos no mundo cinzento da política brasileira, como disse o professor José Arthur Giannotti, pensador do país e, para efeitos de raciocínio, tucano dos tempos em que a geração dele e de Fernando Henrique lia O Capital. 

O país político funciona nesse universo cinzento para todos os partidos. Acho, de saída, que é inacreditável que dois esquemas tão parecidos, que movimentaram quantias igualmente espantosas, tenham recebido tratamentos diferentes — no mesmo tempo e lugar. 

O mensalão do PSDB-MG escapou pela porta dos fundos. Ninguém sabe quando será julgado, ninguém saberá quando algum nome mais importante for absolvido em instâncias inferiores, ninguém terá ideia do destino de todos. Bobagem car de plantão à espera do resultado final. Esse barco não vai chegar. 

O caminho foi diferente, a defesa terá mais chances e oportunidades. Não dá para corrigir. O PSDB-MG passará, no mínimo, por duas instâncias. Quem sabe, algum condenado ainda poderá bater às portas do STF — daqui a alguns anos. Bons advogados conseguem tanta coisa, nós sabemos.

Não há reparação possível. São rios que seguiram cursos diferentes, para nunca mais se encontrar. 

Partindo desse julgamento desigual, co espantado por Dirceu ter sido condenado quando os dois principais casos concretos — ou provas — contra ele se mostraram muito fracos. 

Ponto alto da denúncia de Roberto Jeerson contra Dirceu, a acusação de que Marcos Valério fez uma viagem a Portugal para arrumar dinheiro para o PTB e o PT se mostrou uma história errada. Lobista de múltiplas atividades, Valério viajou a serviço de outro cliente. Ricardo Lewandowski explicou isso e não foi contestado. 

Outra grande acusação, destinada a sustentar que Dirceu operava o esquema como se fosse o dono de uma rede de fantoches, revelou-se muito mais complicada do que parecia. Estou falando da denúncia de que, num jantar em Belo Horizonte, Dirceu teria se aliado a Katia Rebelo, dona do Banco Rural, para lhe dar a “vantagem indevida” pelos serviços prestados no mensalão. 

A tese é que Dirceu entrou em ação para ajudar a banqueira a ganhar uma bolada — no início, falava-se em bilhões — com o levantamento da intervenção do Banco Central no Banco Mercantil de Pernambuco. O primeiro problema é que nenhuma testemunha presente ao encontro diz que eles tocaram no assunto. 

Mas é claro que você não precisa acreditar nisso. Pode achar que eles combinaram tudo para mentir juntos. Por que não? 

Mas a sequência da história não ajuda. Valério foi dezessete vezes ao BC e ouviu dezessete recusas. A intervenção no Banco Mercantil só foi levantada dez anos depois, quando todos estavam longe do governo. Rendeu uma ninharia em comparação com o que foi anunciado. 

De duas, uma: ou a denúncia de que Dirceu trabalhava para ajudar o Banco Rural a recuperar o Mercantil era falsa, ou a denúncia é verdadeira e ele não tinha o controle total sobre as coisas. 

Ou não havia domínio. Ou não havia fato. 

Onde estão os superpoderes de Dirceu? 

Estão na “conversa”, dizem. Estão no “eu sabia”, no “só pode ser”, no “não é crível”, e assim por diante. Dirceu conversava e encontrava todo mundo, asseguram os juízes. Mas como seria possível coordenar um governo sem falar nem conversar? Sem sentar-se com cada um daqueles personagens, articular, sugerir, dirigir. Conversar seria prova de alguma coisa? 

Posso até imaginar coisas. Posso “ter certeza”. Posso até rir de quem sustenta o contrário e achar que está zombando de minha inteligência. 

Mas, para condenar, diz a professora Margarida Lacombe, no Globo News, é preciso de provas robustas, consistentes. Ainda vivemos no tempo em que a acusação deve apresentar provas de culpa.

Estamos privando a liberdade das pessoas, seu direito de andar na rua, ver os amigos, e, acima de tudo, dizer o que pensam e lutar pelas próprias ideias. Estamos sob um regime democrático, no qual a liberdade — convém não esquecer — é um valor supremo. Podemos dispor dela, assim, com base no razoável? 

Genoino também foi condenado pelo que não é crível, pelo não pode ser, pelo nós não somos bobos. Ainda ouviu uma espécie de sermão. Disseram que foi um grande cara na luta contra a ditadura, mas agora teve um problema no meio da estrada, um desvio, logo isso passa. 

Julgaram a pessoa, seu comportamento. E ele ouviu a sentença: seu caráter
apresentou falhas. 

Na falta de provas, as garantias individuais, a presunção da inocência, foram diminuídas em favor da teoria que permite condenar com base no que é “plausível”, no que é “crível” e outras palavras carregadas de subjetividade. 

Já perdemos a conta de casos arquivados no Supremo por falta de provas, ou por violação de direitos individuais, ou seja lá o que for, numa sequência de impunidades que — involuntariamente — ajudou a formar o clima do “vai ou racha” que levou muitos cidadãos honestos e indignados a aprovar o que se passou no julgamento, de olhos fechados. 

Juízes do STF emparedaram o governo Lula, ainda no exercício do cargo, em virtude de uma denúncia — que jamais foi demonstrada — de que um de seus ministros fora grampeado em conversa com o notável senador Demóstenes Torres, aquele campeão da moralidade que tinha o celular do bicheiro, presentes do bicheiro, avião do bicheiro… o mesmo bicheiro que ajudou a fazer várias denúncias contra o governo Lula, inclusive o vídeo dos Correios que é visto como o começo do mensalão. 

Prova de humildade: os ministros do STF também podem se enganar. Apontado como suspeito pelo caso, o delegado Paulo Lacerda perdeu o posto. Dois anos depois, a Polícia Federal divulgou que, conforme seu inquérito, não havia grampo algum. Nada. 

A condenação de José Genoino e José Dirceu sustenta-se, na verdade, no julgamento de caráter dos envolvidos. Achamos que eles erraram. Não há fatos, não há provas. Mas cometeram “desvios”. 

Aí, nesse terreno de alta subjetividade é que a condenação passa a fazer sentido. Os poucos fatos se juntam a uma concepção anterior e formam uma culpa. A base deste raciocínio é a visão criminalizada de determinada política e determinados políticos. 

(Sim. De uma vez por todas: não são todos os políticos. O mensalão do PSDB-MG lembra, mais uma vez, que se fez uma distinção entre uns e outros.) 

Os ministros se convenceram de que “sabem” que o governo “comprava apoio” no Congresso. Não contestam sequer a visão do Procurador-Geral, que chega a falar em sistema de “suborno”, palavra tão forte, tão crua, que se evita empregar por revelar o absurdo de toda teoria. 

Suborno, mesmo, sabemos de poucos e não envolvem o mensalão. Foram cometidos em 1998, na compra de votos para a reeleição. Mas pode ter havido, sim, casos de suborno. Mas é preciso demonstrar, mesmo que não seja necessária uma conversa grampeada, como o repórter Fernando Rodrigues revelou em 1998. 

Nessa visão, confundem-se compensações naturais da política universal com atitudes criminosas, com crimes comuns. Quer-se ensinar aos políticos como fazer política — adequadamente. 

Chega-se ao absurdo. Deputados do PT, que nada fariam para prejudicar um governo que só conseguiu chegar ao Planalto na quarta tentativa, são acusados de vender seu apoio em troca de dinheiro. Não há debate, não há convencimento, não há avaliação de conjuntura. Não há política. Não há democracia — na qual as pessoas fazem alianças, mudam de ideia, modicam prioridades. Como se certas decisões de governo, como a reforma da Previdência, não pudessem ser modicadas, por motivos corretos ou errados, em nome do esforço para atravessar aquele ano terrível de 2003, sem crescimento, desemprego alto, pressão de todo lado. 

A fórmula “tudo por dinheiro” é nome de programa de TV, não de partido político. 

Imagino se, por hipótese, a Carta ao Povo Brasileiro, que contrariou todos os programas que o PT já possuiu desde o encontro de fundação, no Colégio Sion, tivesse de ser aprovada pelo Congresso. 

Tenho outra dúvida. Se esse é um esquema criminoso, sem relação com a política, alguém poderia nos apresentar — entre os deputados, senadores, assessores incriminados — um caso de enriquecimento? Pelo menos um, por favor. 

Dinheiro da política vai para a eleição, para a campanha, para pagar dívidas. Coisas, aliás, que a denúncia de Antônio Fernando de Souza, o primeiro procurador do caso, reconhece. 

Não há esse caso. Nenhum político cou rico com o mensalão. Se cou, o que é possível, não se provou. Claro que o Delúbio, deslumbrado, fumava charutos cubanos. Claro que Silvinho Pereira ganhou um Land Rover. A ex-mulher de Zé Dirceu, separada há anos, levou um apartamento e conseguiu um emprego. Mas é disso que estamos falando? É esse o “maior escândalo da história”? 

Os desvios de dinheiro público, caso venham a ser comprovados, são uma denúncia séria e grave. Devem ser apurados e os responsáveis, punidos. Mas não sabemos sequer quanto o mensalão movimentou. Dois ministros conversaram sobre isso, e um deles concluiu que era coisa de R$ 150 milhões. Eu queria entender por que se chegou a esse número. 

Conforme a CPMI dos Correios, é muito mais. Só a Telemig compareceu com maravilhosos R$ 122 milhões, sendo razoável imaginar que, pelo Estado de origem, seu destino tenha sido o modelo PSDB-MG. A Usiminas — veja como é grande o braço mineiro — mandou R$ 32 milhões para as agências de Marcos Valério. Mas é bom advertir: isso está na CPMI, não é prova, não é condenação.

A principal testemunha, Roberto Jeerson, acusou, voltou atrás, acusou de novo... Fez o jogo que podia e que lhe convinha a cada momento. 

Eu posso pinçar a frase que quiser e construir uma teoria. Você pode pinçar outra frase e construir outra teoria. Jefferson foi uma grande “obra aberta” do caso. 

O nome disso é falta de provas."

Fonte: CAPÍTULO 20. SEM DOMÍNIO, SEM FATOS em (A outra história do mensalão) de Paulo Moreira Leite

 


Em tempo:

Lewandowski e a farsa da teoria - Suprema - do domínio do fato.


"Não há provas! E que essa teoria do domínio do fato, nem mesmo se chamássemos Roxin, poderia ser aplicada ao caso presente."  _Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal

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