Xeque - Marcelo Bancalero
Como a verdade é dura não é mesmo?
Ela chega a doer muitas das vezes, porém, ela deveria ser sempre utilizada, sem receios, pois "a verdade vos libertará" disse certa vez um sábio homem que passou pela terra.
Os alunos da Universidade de Nova Iorque, tiveram a oportunidade de serem exorcizados dos demônios do medo e da insegurança, que naturalmente atacam os que se formam e vão tentar a vida com profissão que escolheram.
Por que o que o ator Robert De Niro fez, foi bem isso... Ao invés de um discurso carregados de rasgação de seda e elogios fúteis aos formandos, cheio de falsidades...
Ele lhes proporcionou um curso intensivo para vida, dado em pouco mais de 15 minutos.
Uma última lição, a qual será lembrada por toda uma vida, bem mais que as demais lições do curso que completaram.
Como escritor já fui incumbido de escrever alguns discursos para formandos. Sei muito bem o que deve ter passado pela cabeça de De Niro, ao pensar sobre o que falar...
E quero que estas palavras, representem os aplausos que gostaria de ter dado, caso estivesse presente na platéia que foi agraciada pela oportunidade de assisti-lo. Desta vez não numa de suas maravilhosas performances como ator...
Mas numa inegável, surpreendente performance como ser humano.
Agradeço a sensibilidade do ator e ser humano de igual valor que temos entre nós, o ator Paulo Betti, pela dica do artigo.
Bem como a sensibilidade de Herbert Santana , que nos proporcionou essa pérola em seu site.
Leia;
"Vocês estão fodidos": o discurso de Robert De Niro na Universidade de Nova Iorque
Uma conversa real e bonita sobre futuro, profissão, amizade e projetos colaborativos
Era para ser um discurso de formatura como outro qualquer, mas quando Robert de Niro subiu ao palco do Madison Square Garden, no último dia 22, a plateia da Escola Tisch de Artes da Universidade de Nova Iorque ficou estarrecida. O ator destilou brilhantemente, durante mais de 16 minutos, as verdades mais duras que um formando pode ouvir, sem deixar de lado as palavras doces de um pai. De Niro falou francamente, compartilhando um pouco de sua experiência com os recém-formados ao expor o que os esperava no futuro.
Reparem na humildade que o cara termina sua fala. Não é a toa que ele é um dos melhores atores da atualidade.
A preleção, obviamente, é para uma turma de Artes, mas vale para qualquer um que queira ter sucesso profissionalmente.
Eu traduzi o discurso na íntegra para você. Dá uma olhada:
* * *
"Equipe verde, adolescentes e lideranças da faculdade, diretoria, pais, amigos e a turma de 2015 da Escola Tisch de Artes da Universidade de Nova Iorque, muito obrigado por me convidarem para celebrar com vocês hoje.
Formandos, vocês conseguiram. E estão fodidos. Pensem nisso. Todos os formandos do curso de Enfermagem têm empregos; recém-saídos do curso de Odontologia estão todos empregados; os da Escola de Negócios Lernard N. Stern e os novos Médicos todos estarão orgulhosos de seus trabalhos; os do curso de Direito da NYU também e, se não tiverem, quem se importa? Eles serão advogados. Nem preciso falar dos formados em letras, eles todos estarão em casa escrevendo seus romances. Professores estarão trabalhando, recebendo uma mixaria para isso, eu sei, mais ainda assim trabalhando. Os graduados em contabilidade, igualmente, todos terão trabalho. Eu duvido que a Índia se intrometa nessa contabilidade. Os contadores têm escolha, talvez sejam apaixonados por contabilidade, mas eu penso que é mais fácil eles usarem a razão, senso comum e a lógica para alcançarem uma carreira que lhes dê a expectativa de sucesso e estabilidade.
Razão, lógica, senso comum na Escola Tisch de Artes? Vocês estão curtindo com a minha cara? Metade da escolha que vocês fizeram já veio pronta, baseada em seus talentos, ambições e paixão. Quando se sente isso, não se pode lutar contra, você apenas aceita.
Em se tratando de Artes, paixão deveria sempre trunfar sobre o senso comum. Vocês não estão apenas seguindo seus sonhos, vocês estão conquistando seus destinos. Vocês são dançarinos, cantores, coreógrafos, músicos, diretores de cinema, escritores, fotógrafos, produtores, atores, anarquistas. E, honestamente, vocês estão fodidos. A boa notícia é que aqui não é um mau lugar para se começar. Agora que vocês já fizeram sua escolha (ou cederam a ela) seus caminhos estão livres.
Fácil não. Livre.
Vocês precisam continuar trabalhando. Simples assim. Vocês passaram por Tisch, o que já é uma grande coisa. Ou, vamos por de outra maneira: passaram por Tisch,ergh, “grande coisa”?
Bom, mas isso é um começo. A partir de hoje, um dia de formatura triunfante, novas portas se abrirão para vocês. Portas para uma vida de rejeição. É inevitável. Isso é o que os formandos chamam de mundo real. Vocês vão descobrir isso em suas experiências de trabalhar para um parceiro ou uma empresa, quando estiverem procurando por pessoas que apoiem seus projetos, quando as portas se fecharem quando vocês estiverem buscando visibilidade para algo que vocês escreveram ou quando estiverem procurando por uma direção de arte. Como vocês lidam com isso? Eu li que diazepam funciona. Se bem que não se pode estar muito relaxado para fazer o que nós fazemos. Você não ia querer bloquear muito a dor. Sem a dor, do que falaríamos, não é verdade? Mas eu faria uma exceção de tomar um ou dois copos de uísque se, hipoteticamente, eu tivesse de vir palestrar para milhares de formandos e seus familiares.
Rejeição pode doer, mas eu sinto que, na maioria das vezes, ela tem muito pouco a ver com vocês. Quando se está em um teste, o diretor ou produtor ou investidor pode, simplesmente, ter algo diferente em mente. É assim que funciona. Isso aconteceu comigo recentemente quando eu fui a uma audição para o papel de Martin Luther King em Selma – Uma Luta Pela Igualdade. O que foi muito ruim, porque eu poderia atuar melhor que ninguém. A impressão que tive é de que o papel foi escrito para mim. Mas a diretora queria algo diferente e ela estava certa. Parece que diretores estão sempre certos. Não me entendam mal, David Oyelowo era fantástico.
Tenho mais duas hsitórias reais. Eu li o script da A Última Batalha de um Jogadorsete vezes. Nas duas primeiras, decorei as falas para o papel de Henry Wiggen, papel depois assumido por Michael Moriarty. Li para o diretor, para o produtor, e eles me mandaram decorar outra parte, o papel de Bruce Pearson. Daí, li para o diretor, li para o produtor, li para o produtor e sua mulher, eu li para todos eles juntos. Foi quase como se eles só estivessem me ouvindo para ganhar tempo até encontrarem alguém de quem eles gostassem mais. Eu não sabia ao certo o que eles procuravam, mas estava feliz em estar ali enquanto eles não encontravam. De outra vez eu estava numa audição para uma peça. Eles insistiam em me ter por perto, portanto pensei que o papel já era meu, quando eles vieram com outro nome. Eu odiei perder o trabalho para o outro ator, mas entendi que poderia perder o trabalho para qualquer um com igual facilidade. Eu teria que entender também.
Não é nada pessoal. Pode ser que o diretor tenha algo diferente na cabeça. Na nossa careira se tem muitas direções, algumas de diretores, outras do estúdio, investidores, escritores (eu amo escritores, mas tente mantê-los longe), e algumas de seus parceiros artistas. Ouça a todas elas e ouça a você mesmo. Sempre falo dessas ideias para atores de filmes, mas acho que elas se aplicam para todos vocês. Vocês encontrarão situações parecidas em todas as áreas. A maneira como o diretor está certo só existe porque você o ajudou a estar certo. Vocês podem começar com ideias diferentes, mas o diretor terá uma visão, vocês terão ideias sobre seus personagens.
Quando se é um novato, as opiniões podem não ser levadas em consideração tanto quanto elas serão mais tarde em suas carreiras. Vocês serão contratados porque o diretor verá algo em vocês em suas audições, apresentações, que se encaixará no conceito. Vocês poderão ter a oportunidade de fazer da forma de vocês, mas a decisão final será dos diretores. Mais tarde em suas carreiras, quando tiverem um trabalho de referência, talvez haja mais confiança dos diretores, mas será a mesma coisa. Vocês podem tentar fazer de suas maneiras e o diretor concordar com a versão (o que será bom), mas, se for um filme, a decisão final será do diretor. É melhor que trabalhem juntos. Como atores, vocês sempre quererão ser verdadeiros com seus personagens, com vocês mesmos, mas nas entrelinhas vocês farão parte de um projeto e isso é muito importante. Como diretores ou produtores, vocês também terão de ser verdadeiros consigo e com o mundo.
Um filme, uma dança, uma peça não são pensados para ser um meio de artistas expressarem suas individualidades. O trabalho de Arte depende de contribuições e colaborações de um grupo de artistas. Isso é tão vasto que inclui produção, figurino, fotografia, maquiagem, cabeleireiro, gerentes de palco, diretores assistentes, coreógrafos, etc., etc. Todos fazem trabalho importante, essencial. Diretores, produtores, coreógrafos, diretores artísticos, essas são posições de poder, mas o poder não vem do título. O poder vem da confiança, respeito, visão e, de novo, colaboração.
Vocês provavelmente serão mais duros consigo mesmos que qualquer diretor. Eu não estou dizendo que vocês serem de outra maneira, eu tenho certeza de que não escolheram a profissão porque acharam que seria fácil. Vocês terão de responder a um diretor sobre um trabalho, mas vocês terão também que responder a si mesmos. Isso pode criar conflitos para vocês: vocês vão querer atuar de sua maneira, mas o diretor terá uma ideia diferente. Portanto discutam isso com o diretor, talvez isso não comprometa o projeto. Há sempre um espaço para os dois jeitos, mas não leve isso a sério, porque não é uma democracia. No set ou no palco, alguém terá de tomar a decisão final, alguém terá de organizar as coisas (esse é o diretor). Não pensem que será diferente. Ninguém os verá se não estiverem num palco ou num filme.
Eu posso responder à pergunta que está na cabeça de todos vocês agora. Sim, é muito tarde para mudar de ideia. Quando eu estava me preparando para falar aqui hoje, eu pedi a alguns estudantes sugestões para o discurso. A primeira coisa que eles disseram foi “seja breve”. Disseram também “tudo bem dar alguns conselhos, todos estarão esperando por isso”, mas repetiram “seja breve”. Bom, aparecer com conselhos para vocês é difícil para mim, que já escolheram o trabalho de suas vidas, mas eu posso dizer para vocês algumas coisas que digo a minhas próprias crianças: seja lá o que fizerem, não vão para Escola Tisch de Artes, consigam um diploma de contabilidade ao invés disso. Mas aí eu me contradigo, e por mais piegas que isso pareça, eu lhes digo não tenham medo de errar, arrisquem-se a deixar a mente aberta para receber novas experiências e novas ideias. Eu digo a minhas crianças, “se vocês não se arriscarem, nunca saberão”. Vocês têm de ser machos para se expor e se arriscar. Eu digo a elas que se forem para uma escola de Arte, que encontrem um campo fértil e desafiador onde haja indivíduos de mentes parecidas, um lugar como Tisch. Se elas se descobrirem com o talento e o desejo de fazer arte, eu digo: quando vocês colaboram, vocês tentam fazer de tudo para que o melhor aconteça, mas vocês não são responsáveis pelo projeto inteiro, apenas de sua parte nele. Vocês se encontrarão num filme ou uma dança que, aos olhos da crítica ou da audiência, serão mal vistos, mas isso não é sua culpa, porque vocês colocarão tudo de vocês em tudo que fizerem, vocês não julgarão os personagens que fazem, e não serão distraídos pelos julgamentos dos trabalhos dos quais farão parte. Quer trabalhem para Edward ou Rico Fellini ou Martin Scorsese, sua dedicação ao processo será a mesma.
Mas haverá momentos em que seu melhor não será o suficiente, pode haver muitas razões para isso. Mas desde que vocês deem seu melhor, estará tudo bem. Vocês tiraram sempre 10 na escola? Se sim, muito bom para vocês, parabéns. Mas no mundo real nunca mais tirarão sempre 10, porque há altos e baixos.
O que quero dizer para vocês hoje é que está tudo bem. Ao invés de chapéus e becas hoje, eu posso ver vocês se graduando com uma camisa onde está escrita a palavra “Rejeição” na parte de trás. Nada pessoal. E na frente está escrito “Próximo!”. Não entenderam essa parte? É isso que quero passar aqui: “Próximo!”. É essa a palavra que deverão gritar quando não pegarem alguma parte, quando não conseguirem aquele papel de garçom no White Oak Tavern. Vocês terão o próximo, o próximo show com o papel bar tenders. Vocês não entraram para Julliard? “Próximo!” Vocês entrarão para a Tisch. Mas, é claro, escolher a Tisch é como escolher a Arte: não é a primeira escolha, é a única.
Eu não frequentei a Tisch ou qualquer faculdade, mas eu faço parte da comunidade Tisch há muito tempo, cresci no mesmo bairro que a Escola. Eu trabalhei para muita gente que a frequentou, incluindo o Martin Scorsese, classe A 64. Como vão aprender, vocês terão que confiar em cada um e depender de cada um de vocês. Isso os encorajará a se arriscar, porque todos vocês terão o certeza de que estarão juntos. Não é surpresa que trabalhemos para as mesmas pessoas várias e várias vezes. Eu fiz oito filmes com o Scorsese e planejo fazer mais. Martin fez por volta de 25 trabalhos com uma editora que ele conheceu na aqui na Tisch no verão de 1963. A mesma coisa aconteceu com outros diretores, como Fellini, Hitchcock. E agora David O’Rossell, Wes Anderson estão continuando a tradição.
As amizades, associações, parcerias, e relações de trabalho são tesouro no início de sua carreira. Vocês nunca saberão o que pode surgir delas. Pode ser uma grande ideia criativa, ou um pequeno detalhe que fará uma grande impressão.
Em “Taxi Driver” eu e Martin queríamos que Travis Bickle cortasse os cabelos num moicano. Um detalhe importante. Mas eu não pude fazer isso porque eu precisava de um cabelo longo para o “O Último Magnata”. Daí, usamos um moicano falso que pareceu, digamos, falso. Portanto decidimos fazer uma última tentativa com o melhor maquiador da época, Dick Smith. Se vocês assistirem ao filme, verão que funcionou, e, a propósito, agora vocês sabem que era um moicano falso.
Amizades, pessoas boas de trabalho, colaborações. Vocês nunca saberão o que pode surgir delas. Portanto, fiquem próximos aos seus amigos criativos.
Martin Scorsese esteve discursando aqui ano passado e agora aqui estou eu (nós estamos) numa sexta feira em um tipo de mega versão de sala de aula. Aqui estão vocês para celebrar sua conquista até agora, bem como sua mudança para um futuro rico e desafiador. E eu? Estou aqui para distribuir meu currículo para vocês, diretores e produtores que acabem de se formar. Estou excitado e honrado de estar numa sala cheia de jovens criadores que me fazem esperançosos sobre o futuro da Arte. Eu sei que conseguirão. Todos vocês.
Merda para vocês!
Próximo!"
Robert De Niro, 2015. Tradução: Herbert Santana
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