Desconfio que alguns ministros do STF andaram lendo ‘1984’ do inglês George Orwell. Veio à tona a constatação de que, no texto do acórdão do julgamento do chamado ‘mensalão’, 1.335 registros foram suprimidos e indicados pela expressão ‘cancelado’. Embora o procedimento seja praxe, há controvérsias. Uma dessas supressões, segundo o jornal Folha de S. Paulo, sequer veio acompanhada da indicação de cancelamento, mas retrata um momento, no mínimo, emblemático. Trata-se do quadro em que o ministro Joaquim Barbosa manifesta uma estranha preocupação em agilizar o final do julgamento, no que é contestado pelo então presidente do STF, Ayres Britto, que diz: “Por outro lado, (a pressa) não pode comprometer a segurança jurídica da votação”. Tudo leva a indicar que, aquilo que os ilustres magistrados acharam natural e até contundente diante das câmeras, de repente tornou-se inconveniente para constar no documento oficial que deveria consagrar o que, de fato, aconteceu durante o espetáculo televisivo em que se transformou o julgamento. Como disse um amigo, “encenaram pra TV os 15 minutos de fama e, na hora H, cortam as incoerências ditas…”
Ao lado disso, há uma questão que é científica. No mundo da linguagem, os sentidos daquilo que se diz são construídos no âmbito do que os estudiosos do assunto chamam de cena enunciativa. Traduzindo: todos os elementos linguísticos e extralinguísticos que formam o cenário no momento em que se fala são peças fundamentais dos sentidos de tudo aquilo que dizemos e, portanto, dos argumentos que elaboramos e manifestamos. Elementar, portanto, que, se os senhores ministros suprimem partes de sua fala no acórdão, estão deixando de dizer aquilo que disseram durante o julgamento e desdizendo a formulação de seu juízo de valor. Estão dizendo outra coisa. Estão, inevitavelmente, deixando de retratar os elementos da linguagem que alimentaram seu voto.
No fundo, os ministros consertaram a história e tentaram apagar a História. Ou seja, agiram exatamente como retratado no livro de Orwell, em que a história é permanentemente reescrita através da “Novilíngua” para se adequar aos interesses do supremo Big Brother. Diante disso, inevitável pensar que, de duas, uma: ou as palavras e frases usadas pelos ministros durante o julgamento foram fundamentais como força argumentativa para defender seus pontos de vista, ou muitos daqueles momentos não passaram de encenação e, por isso, foram retirados do texto publicado. Se vale o primeiro caso, não caberia suprimir trechos de suas manifestações; se vale o segundo caso… Bom, aí penso que a situação é seríssima.
A praia da discórdia
A reabertura da praia de Ponta Negra, há duas semanas, deu o que falar. Não que eu tenha algo contra isso. Nem contra isso nem contra aquilo. A praia é um espaço fundamental pra população, já tão carente de opções de lazer. E acho legal que o prefeito, com toda bravura, tenha devolvido o espaço a quem pertence: ao povo. Minha questão é outra. Ainda que a praia seja o mote. Acontece que eu fui acometido por aquilo que os psicólogos chamam, salvo engano, de dissonância. Explico-me. Abri os jornais daquela segunda-feira e me interessei por buscar informações sobre a reabertura da praia. E ali começaram as dificuldades. Primeiro li Acrítica. Lá, no parágrafo inicial da matéria, dizia que “o sol intenso de 32oC atraiu aproximadamente 15 mil pessoas para o balneário, segundo estimativa do Corpo de Bombeiros”. Nossa! Quanta gente! Inevitável imaginar o conforto do espaço com todo esse povo reunido, ávido por se deliciar nas águas do Negro. A euforia durou pouco. Em seguida, abri o Diário do Amazonas. Foi um banho de água fria. Estava lá, no primeiro parágrafo do texto: “Com sol e temperatura alta desde as primeiras horas do dia, a Praia da Ponta Negra foi o destino de cerca de seis mil pessoas neste domingo, segundo estimativa da Policia Militar”. Meu Santo Papa, e agora? A fonte é a mesma, a briosa Polícia Militar, mas a diferença não é pouca. Por baixo, chega a 8,5 mil pessoas que não foram contadas ou foram contadas além da conta. Pra completar meu estado de dissonância, o Diário anunciou, abaixo da manchete, que “Primeiro final de semana após reabertura do balneário, na quarta-feira, superou expectativa”. Já em acrítica, estava lá, abaixo da manchete, que “No dia de maior lotação do único balneário na área urbana de Manaus, desrespeito às leis e falta de civilidade dominaram a cena”. Francamente, companheiros, cheguem a um acordo. Leitor sofre…
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